Tragada para o meio da disputa comercial entre Estados Unidos e China, a Huawei lançou sexta-feira (9) o HarmonyOS, um novo sistema operacional que pode operar em aparelhos conectados tão diferentes quanto smartphones, relógios inteligentes, sensores e carros, o que tem o potencial de atingir em cheio os negócios de algumas das principais empresas norte-americanas.
De uma só vez, a segunda maior fabricante de smartphones do mundo não só desafiou a supremacia do sistema operacional mais usado entre os celulares, o Android, do Google, como elaborou sua própria solução para a fragmentação do mundo de eletrônicos.
Se hoje cada classe de aparelho conta com seu próprio sistema operacional – o que exige de desenvolvedores a adaptação de aplicativos para cada dispositivo –, a ideia do HarmonyOS é que um aplicativo possa rodar, sem mudanças, em qualquer aparelho. Ou seja, um app desenhado para smartphones funcionará em relógios e computadores.
“O HarmonyOS representa uma geração totalmente diferente de sistema operacional”, afirmou Richard Yu, executivo-chefe da área de aparelhos para consumidores da Huawei, durante a conferência da empresa para desenvolvedores, realizada em Dongguan, na China.
Adeus, Android?
A Huawei teve uma ascensão meteórica entre as vendedoras de smartphone. No ano passado, ultrapassou a Apple e a cada trimestre encosta na líder Samsung. Entre abril e junho, a fabricante vendeu apenas na China mais smartphones que a Apple no mundo todo.
“Nós podíamos ter feito melhor, mas tivemos um problema internacional”, disparou Yu, sem citar a investida norte-americana.
Em todo mundo, a empresa comercializou 58,7 milhões unidades no segundo trimestre, todas equipadas com Android. Mas, em breve, a relação de amor com o Google pode acabar, e dar origem de cara ao segundo maior sistema operacional entre celulares.
Isso porque a Huawei não descarta empregar o HarmonyOS nos smartphones da companhia. O momento não poderia ser mais propício, já que a parceria com o Google corre risco de acabar devido às sanções impostas à chinesa pelo governo dos Estados Unidos. Em maio, a Casa Branca proibiu qualquer empresa norte-americana de fazer negócios com a Huawei. Logo depois, o Google anunciou que suspenderia a liberação de novas versões do Android para a fabricante. Dias depois, os EUA congelaram as restrições por 90 dias, mas essa trégua está para acabar.
Se vocês estão se perguntando quando podemos aplicar a nossos smartphones, podemos fazer isso agora. Mudar do Android para o Harmony não é tão difícil. Podemos mudar em até dois dias Richard Yu, executivo-chefe de aparelhos da Huawei.
Apesar dos comentários, a empresa não incluiu os smartphones em seu plano de implementação do sistema operacional, o que sinaliza uma postura cautelosa em relação às negociações entre EUA e China.
Além de uma boia salva-vidas para os respingos da disputa entre EUA e China, o HarmonyOS é também parte crucial da estratégia da Huawei para aparelhos da chamada Internet das Coisas (IoT). Tanto é que o sistema fará sua estreia ainda neste ano em algum produto de tela inteligente. A ideia da empresa é que ele chegue nos próximos anos a aparelhos vestíveis e carros.
Em todos os aparelhos
Por isso, o Android não é o único sistema operacional que o HarmonyOS pretende confrontar. Considerando apenas aqueles desenvolvidos pelo Google, há ainda o Chrome OS (computadores), o Wear OS (aparelhos vestíveis, como relógios), o Android Things (para dispositivos de IoT) e o Android Auto (sistemas multimídia de carros).
O HarmonyOS é uma tentativa de contornar essa divisão e criar um ambiente em que os desenvolvedores possam criar um só aplicativo para rodar em qualquer aparelho.
Por ser de código aberto, o HarmonyOS é uma ameaça sobretudo ao domínio do Google, que possui a mesma estratégia. Mas, como conceito, o novo sistema é uma resposta à lógica de fragmentação que se instalou no mundo da tecnologia. Na Apple, por exemplo, o número de sistemas operacionais chega a cinco: macOS (Mac), iOS (iPhone), watchOS (Apple watch), tvOS (Apple TV) e iPadOS (iPad).
O HarmonyOS terá arquitetura distribuída, para que algumas funções sejam transferidas apenas a aparelhos que realmente a utilizarão. O exemplo usado por Richard Yu foi a de relógios conectados que, por não possuírem câmeras, não precisariam dos códigos necessários para executar essa tarefa.
Isso permitirá que o tamanho do sistema operacional varie de aparelho para aparelho. Se forem computadores ou smartphones, que são mais potentes e executam mais tarefas, a memória necessária será de alguns Gigabytes; se forem relógios ou sistemas multimídia de carros, a exigência estará na casa dos Megabytes; em sensores e outros dispositivos de IoT, que geralmente fazem algo bastante específico, ocupará alguns Kilobytes.
Todo sistema operacional tem um kernel, ou núcleo, que faz a transmissão de informações dos aplicativos para o hardware, onde os dados são processados. O novo sistema da Huawei trabalha com a ideia de um kernel reduzido. Ele terceiriza para outras áreas muitas das funções de um kernel tradicional. Isso também colabora para o tamanho dele ser menor.
Para acelerar alguns processos, o HarmonyOS é desenhado para priorizar os recursos de processamento à disposição do aparelho quando uma atividade prioritária está sendo executada. Isso, segundo a Huawei, pode diminuir a latência, ou seja, o tempo de espera entre um comando ser dado e a ação ser realmente executada.
Da China para o mundo
O plano da Huawei é criar um ecossistema de aplicativos em torno do HarmonyOS, primeiro na China e depois expandi-lo para o restante do mundo. Para facilitar a construção de novos apps, os desenvolvedores poderão criar serviços em um compilador que aceita diferentes linguagens, como Java, C e C++.
“Nós queremos construir um sistema operacional global”, afirmou Yu.